domingo, 6 de setembro de 2009

bela. a menina que se achava feia.

bela nasceu com um nome que descrevia seu rosto, sua pele, sua personalidade. enfim, bastava bela se apresentar para todos entenderem quem era ela. "bela, muito prazer!"
mas o prazer era de todos.

mas, por algum motivo, bela se achava feia. não gostava dos traços do seu rosto, achava que as maçãs das suas bochechas eram murchas e pensava sempe em pintar o castanho do seu cabelo em um preto, bem escuro-- para se esconder do mundo.

um dia bela se encontrou com joão. colega da escola. bela conheceu joão quando os dois tinham 6 anos de idade. bela se lembrava de joão. joão não se lembrava de bela. os dois se encontraram no lobby de um cinema. antes do filme começar. joão estava acompanhado pela esposa. bela, com uma amiga. bela olhou fixamente nos olhos dele e disse: "joão? da primeira série do colégio maristela de copacabana? sou eu, a bela, lembra de mim?" e joão, aproveitando que sua mulher estava a comprar pipocas-- deixou seu rosto expressar tudo o que ele estava sentindo naquele momento. surpresa, falta de ar, e felicidade. tudo ao mesmo tempo. ele buscou pela memória, o nome dela e achou a pequena bela, junto com todas as memórias da primeira série-- e disse: "bela, claro que me lembro. mas como você está... está... linda"

ela, com as bochechas agora avermelhadas disse: "mas você não ligava para mim quando éramos pequenos. na primeira série... me lembro como se fosse hoje (todos os dias)-- um dia eu tomei coragem e me declarei-- mas você me ignorou." e ele: "bela, com 6 anos de idade, qualquer menino se apaixona primeiro pela bola de futebol no recreio de uma escola-- e só depois pela menina. um erro que todos os meninos só descobrem ao chegarem a pré-adolescência. e depois, descobrem a magnitude deste erro, quando entram definitivamente na adolescência." bela, agora ainda mais bonita com uma covinha que nasce nas suas bochechas sempre que ela sorria disse: "então, você não me achava feia?" e joão, com pressa pois sua mulher se aproximava com as pipocas-- e arrependido pois queria passar o resto da vida a olhar para bela-- disse: "não...não... eu tinha seis anos de idade-- e era dono da bola de futebol no recreio da escola."


quinta-feira, 16 de julho de 2009

a disney e o paolo rossi.


- e ontem meu filho, você sonhou?
- não mãe. não sonhei.
- mas quando você dorme, o que acontece?
- fica tudo escuro.
- tudo escuro? mas é ruim?
- não, não. eu fecho os olhos, tudo fica escuro e aí eu acordo. geralmente com a sua voz.
- mas isso não deixa você triste, não é?
- não. como eu nunca sonhei, acho que não sei o que estou perdendo.
- e pesadelos, você tem?
- também não.
- então você não sonha e nem pesadelos tem? é isso?
- isso, mamãe.
- então, quando eu perguntei para você qual era a viagem dos seus sonhos e você disse que era "a disney, mamãe!"?
- é o que diz no anúncio: "Realize a viagem dos seus sonhos com a Turma na Disney!!" Com dois pontos de exclamação.
- e se "sonho" para você é o que diz num anúncio de uma agência de viagem, o que é pesadelo?
- a copa de 82.
- mas você nasceu em 99, meu filhinho.
- globo esporte.
- como?
- todo ano o globo esporte passa uma matéria "celebrando" mais um aniversário da derrota para a itália em 82.
- e todo ano você vê.
- todo ano. deve ter sido triste, não foi mamãe?
- um pesadelo, meu filho. um pesadelo.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

amor®



- quantos bichinhos você tem que vender por dia para valer a pena?
- um.
- mas, quanto custa cada um?
- 20.000 reais.
- quanto!?
- vinte. vinte mil reais.
- mas, mas o que é que eles têm de especial?
- eles são feitos com amor.
- como?
- amor.
- não estou entendendo.
- esses bichinhos apesar da carinha estranha-- são feitos com todo o amor do mundo.
- mas...
- muito muito amor. cada bichinho foi feito com muito, mas muito amor.
- e... vinte, vinte mil? por isso?
- você já se apaixonou?
- já.
- você já sofreu por amor?
- já.
- você já passou alguma noite em branco pensando em alguém que você amava?
- muitas.
- você as vezes pensa que nunca mais vai sentir o mesmo formigar na barriga?
- sempre.
- você sente falta da pessoa que você ama dizer para você que te ama de volta?
-
- sente?
- sim.
- falta de amor?
- claro.
- você queria estar agora ao lado de uma pessoa que diz que te ama sem precisar dizer uma única palavra?
- eh, sim.
- o amor, você dá mais valor agora, já que você não tem?
- acho que sim. sim.
- você já pensou em ligar para pessoa que você ama e desligou antes do primeiro toque com medo desta pessoa não amar você?
-como é que você sabe?
- então. você acha que vale vinte mil reais?
- eu quero dois, por favor.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

a vida de leôncio.

leôncio andava sempre com as mãos nos bolsos da calça.
menos por frio. mais-- porque não sabia o que fazer com elas.

explico: as mãos de leôncio tinham vida própria. um cérebro para cada uma das mãos. ou seja, no total, eram 3. um cérebro localizado debaixo do chapéu. e os outros dois nas mãos. nos bolsos.

a mão direita era safada. gostava de se esfregar nas bundas alheias. a mão esquerda, sacana. o que parece a mesma coisa. mas é diferente. PAUSA PARA EXPLICAÇÃO DAS DIFERENÇAS ENTRE SACANA E SAFADO: safado é aquele que promete que vai respeitar o espaço da mulher no primeiro encontro-- mas mesmo assim, arruma um jeito de colocar as mãos nos peitos-- e, dependendo do local, arruma também um jeito de colocar a bola para dentro do gol. o sacana não. o sacana já avisa antes mesmo da mulher falar que não vai querer transar no primeiro encontro-- que vai transar com ela. o sacana já avisa para a mulher sair de casa sem soutien para ele não ter trabalho. mesmo que ela tenha deixado claro que não vai rolar nada. ou seja, ambos são bem parecidos. mas o safado muitas vezes consegue ir mais longe, porque finge que é bonzinho.

mas voltemos ao problema de leôncio. as duas mãos com vida própria. a mão safada e a mão sacana. por culpa das duas leôncio não tinha uma namorada fixa. os primeiros encontros invariavelmente terminavam com um tapa na cara dado ou por uma mulher com raiva-- ou com uma ameaça de tiro de um pai zeloso.

certa vez leôncio passou seis meses na prisão. primeiro por ter levantado de sacanagem o dedo médio em forma de caralho para um policial rodoviário. e depois, só de safadeza, por ter passado a mão na bunda dele discretamente quando ele, o guarda, se dirigia para a viatura para pegar o talão de multas.

nem sozinho leôncio conseguia se satisfazer. a mão safada fingia que iria até o final e parava antes da apoteose. a mão sacana, essa era sacana. simplesmente se recusava a sair do bolso. e, quando saia sufocava o bicho.

a ridícula vida de leôncio quase acabou com 76 cápsulas de remédio tarja preta.
sem sucesso.

porque, por mais que a mão safada sutilmente tentou colocar cada uma das cápsulas na boca dele. a mão sacana por sua vez, retirou cada uma das cápsulas logo em seguida. pois sabia que matar leôncio daquela maneira, era uma safadeza.

e deixar ele vivendo daquela maneira, isso sim era uma sacanagem.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

sempre.

sempre foi garota de programa. sempre cobrou caro. sempre dizia "também te amo" ao final do programa. sempre deixava quatro dedos de peito vazando pelo decote. sempre colocava uma segunda camada de batom. sempre deixava um chupão em cliente que pechinchava. sempre escovava os dentes, antes e depois. sempre cobrava em dinheiro. sempre teve paciência para escutar. sempre sorriu ao abrir o soutien. sempre chorou ao fechar a porta. sempre dava um nome diferente. sempre usava o nome de uma das protagonistas de uma das três novelas da globo. sempre dizia que aquele era seu primeiro dia no batente para os clientes. sempre dizia para o espelho que era o último. sempre prometeu para a mãe que no dia que encontrasse um cara que soubesse fazer uma massagem decente nas joanetes do seu pé direito-- largava essa vida. e quando o encontrou-- sempre foi fiel.